Aos que, na consciência da fé, no desânimo da indiferença, na adesão a outras crenças ou até na oposição ao fenómeno religioso aspiram à felicidade pessoal e colectiva, edificam a sociedade humana na paz e na verdade e vivem ou são originários da área da Diocese do Porto
1. Ao longo da vida, tenho sido presenteado com surpresas tão agradáveis que nem sequer ousava esperar. Muitos chamarão a isso coincidência ou acaso. Eu, porém, acredito que é o Espírito de Deus quem conduz a história, não obstante a liberdade pessoal e até as resistências colocadas à graça. A minha nomeação para ir pastorear a Diocese do Porto, agora tornada pública, insere-se nestas felizes surpresas com que Deus tem urdido as teias da minha existência.
2. Ao Santo Padre, o Papa Francisco, agradeço esta prova de confiança. E renovo, solenemente, uma total fidelidade efectiva e afectiva. Igual agradecimento vai para o senhor Núncio Apostólico e para quantos apostaram no meu nome: como disse por alturas da minha ordenação episcopal, tentarei não defraudar a confiança.
3. Não é sem emoção que regresso ao Porto passadas quase quatro décadas depois da minha formação no seu Seminário Maior. Daqui surgi para a vida sacerdotal, aqui exerci o sacerdócio colaborando na formação de novos padres, aqui volto como mais um de entre os muitíssimos que apostam tudo na evangelização e na promoção humana desta Diocese que sempre se distinguiu pela cultura dos seus membros, zelo missionário, santidade operante e sadia presença na sociedade. Tudo isto na fidelidade ao sopro do Espírito que nos manda edificar «um novo céu e uma nova terra», de acordo com os sinais dos tempos.
4. É, pois, com uma imensa alegria e não menor admiração que saúdo quantos a constituem. Permitam-me um destaque especial para os mais débeis: os pobres, desempregados, doentes, idosos, detidos e quantos perderam os horizontes da esperança. Cumprimento as famílias, sem qualquer dúvida, a célula básica da sociedade e, consequentemente, também da nossa Igreja. Apetecia-me parafrasear o Papa São João XXIII e dizer com a mesma bonomia: dai um beijo aos vossos filhos e dizei-lhes que é o novo bispo quem lho manda. Felicito quantos constituem a necessária teia social da comunidade viva: o mundo do trabalho e suas organizações, os sectores da cultura e do desporto, os organismos voltados para a saúde e para a assistência social, autênticos pilares da liberdade e da felicidade possíveis. Uma palavra de admiração aos dirigentes da comunidade: sei bem do vosso valor e zelo nos diversos âmbitos, seja nas autarquias e no ensino, seja na segurança ou na administração.
5. A Igreja de Deus que está no Porto é fidelíssima naquele dinamismo apostólico e missionário que deve caracterizar o homem e a mulher de fé. Agradeço a todos os que empenham muitas das suas energias ao serviço do Evangelho: os fiéis leigos que dão corpo aos organismos paroquiais e diocesanos e fermentam o mundo com o humanismo cristão; as religiosas e os religiosos que nos oferecem o exemplo do seguimento radical de Jesus; os Diáconos que testemunham a caridade como primeira característica do Reino de Deus; os Seminários que nos asseguram a esperança; os caríssimos Padres, alguns já tão cansados, que aguentam o peso do trabalho e a desconfiança de uma sociedade em continua mutação; o Cabido, instância de saber e de dinamismo sacerdotal; o Vigário Geral e membros das estruturas de participação, garantia da co-responsabilidade; o Reverendíssimo Administrador Diocesano, D. António Taipa e os Senhores Bispos Auxiliares, D. Pio Alves e D. António Augusto, os quais, no seu conjunto, constituem o verdadeiro centro nevrálgico da intensa vida diocesana. Continuaremos com este dinamismo. Deixai-me inserir nessa vinha do Senhor como assalariado acabado de contratar.
6. Trabalharei no Porto como tenho feito até aqui: «com Pedro e sob Pedro». Mas também «à maneira de Pedro». Isto é, pretendo ser um «missionário da misericórdia», um pastor com «o cheiro das ovelhas», um pai dos Padres, um irmão dos mais pobres e um fomentador do espírito ecuménico e de diálogo. Procurarei reconduzir a Igreja a uma tal simplicidade evangélica que a constitua referencial ético para o mundo actual.
7. Ainda que numa visão global e apressada, no último século, chama a atenção uma forte semelhança entre o enorme timbre de grandeza dos Pastores da Diocese do Porto e os da Igreja universal. Numa e noutra, há mártires, profetas e santos. No caso desta nossa Diocese, legaram-nos um tal património histórico-moral que constitui uma referência incontornável para a Igreja e para a sociedade portuguesas. Tendo presente, apenas, aqueles que conheci pessoalmente, não deixarei de me inspirar na determinação granítica de D. António, no zelo pastoral de D. Júlio, na arguta perspicácia de D. Armindo, na lucidez intelectual de D. Manuel e na afectividade pura e contagiante de D. António Francisco.
8. Sei bem que o meu antecessor directo marcou a história da Diocese com a sua proximidade e candura. Por isso, foi chorado como um pai. Também o foi por mim. Não ignoro que não é fácil substitui-lo. Mas todos nós, agentes de pastoral, tomaremos em boa conta o seu grande legado: a certeza de que a única chave que abre o coração humano é a ternura e a simpatia.
9. Se o Porto é a “cidade do trabalho”, não é menos a “cidade da Virgem”. Da “Terra de Santa Maria” até à Senhora da Vandoma, a invocação pode ser distinta, mas a devoção e a confiança são as mesmas. Então, que a Mãe de Jesus e Mãe da Igreja vele por nós e pelo meu novo ministério, para que sejamos, agora e sempre, uma Igreja aberta, franca, acolhedora, missionária, orante, solidária, encarnada no mundo. Se “daqui houve nome Portugal” como nos garante Eugénio de Andrade, também floresça uma Igreja conduzida pelo Espírito, sensível aos sinais dos tempos e sempre “reformanda”, como pede o Papa Francisco e exigem os nossos contemporâneos.
10. A nossa ilustre diocesana, Sophia de Mello Breyner, deixou-nos uns versos que interpelam: “A presença dos céus não é a Tua,/ embora o vento venha não sei donde./ Os oceanos não dizem que os criaste,/ nem deixas o Teu rasto nos caminhos./ Só o olhar daqueles que escolheste/ nos dá o Teu sinal entre os fantasmas”. Somos nós esses escolhidos para captarmos e retransmitirmos o «sinal» de Deus. Vamos faze-lo de tal maneira que se evitem todos os ruídos perturbadores e, dessa forma, se afugentem os fantasmas dos medos e os pavores da solidão, tão típicos da sociedade actual?
A todos abraço. Sobre todos invoco a bênção divina.
+ Manuel Linda