Com a festa do batismo de Jesus (Marcos 1, 7-11) conclui-se o tempo litúrgico das manifestações, epifanias, do Senhor. Dado à luz por Maria em Belém, Jesus foi manifestado aos pastores como o Salvador e Senhor, foi manifestado no templo aos pobres de Israel que esperavam o Messias, e por fim foi manifestado aos gentios da Terra, representados pelos magos, como Rei dos Judeus. Agora, mergulhado nas águas do Jordão, manifesta-se como o Filho amado de Deus, que faz ressoar sobre Ele a sua palavra reveladora.
O Evangelho segundo Marcos inicia-se precisamente com o anúncio, da parte de João Batista, da entrada em cena de Jesus: «Vem atrás de mim um que é mais forte que eu». O anúncio é surpreendente e escandaloso: entre aqueles que seguem o Batista como discípulos, há um que na realidade é mais forte que ele, o mestre, o profeta. Entre João e este que vem há mesmo uma relação que não pode sequer ser comparada à existente entre um servo e o senhor a quem aquele desata as sandálias. O Batista reconhece e anuncia sobretudo uma diferença nas respetivas missões: ele imerge na água quantos confessam os próprios pecados, mostrando-se dispostos à conversão; Jesus, por sua vez, mergulhará no Espírito Santo, na própria força de Deus, inaugurando assim os tempos da salvação definitiva, realizada através da efusão do Espírito sobre toda a humanidade.
Eis que aparece o Messias, “ungido” com o Espírito Santo, não com uma unção humana: Jesus, de Nazaré da Galileia. Mas como aparece, como vem? Sendo Cristo, o Filho de Deus, esperaríamos uma vinda repleta de glória, uma manifestação que se impusesse. E em vez disso estamos na presença de uma cena na qual não se evidencia nada de divino. Na longa fila de homens e mulheres que se confessam pecadores e necessitados de purificação e perdão da de Deus, está também Jesus. Ele que é «sem pecado» faz-se solidário com quantos estão em contradição com Deus e com a sua vontade, não se distingue deles gabando como diferença a própria santidade. Não, sem exibições, sem protagonismo, pede a João para ser imergido nas águas do Jordão como os outros penitentes. Mas para Jesus o batismo recebido não coincide com a purificação dos pecados, mas com o início de uma missão precisa de comunhão com os últimos, com os pecadores públicos.
Jesus, cujo nome significa “o Senhor salva”, é conotado através da sua proveniência de Nazaré, povoação da sua família e da sua infância, lugar desconhecido em todo o Antigo Testamento. Por isso será chamado “nazareno”, “aquele de Nazaré”, “o profeta de Nazaré”. Sim, Jesus de Nazaré é um nome humano, humaníssimo, e é talvez por isso que no último século, no interior da espiritualidade cristã e não só, goza de uma sorte privilegiada em relação a outros títulos ou designações: isto não é um desconhecimento da sua divindade, mas responde à necessidade de afirmar a sua humanidade, que é antes de tudo solidariedade connosco, homens e mulheres.
E eis que aquele do qual é anunciado que batiza, é agora batizado, mergulhado por João. Seja dito com clareza: João imerge Jesus no Jordão, mergulha-o nas águas, e assim Jesus é como que imergido na morte, afogado e depois erguido, arrancado ao vórtice que submerge. É assim que Jesus desce, alcança o mais baixo do que é baixo, o último lugar que nunca lhe será tirado.
Não podemos esquecer que esta primeira manifestação pública de Jesus surgiu como escandalosa para os primeiros cristãos, que, aclamando-o na fé como Kýrios, Senhor, temiam que neste acontecimento fosse percecionado como inferior ao Batista. Deste modo, progressivamente, deixar-se-á de recordar o facto de que foi João a imergir Jesus (como se Ele se tivesse autoimerso). Não é por acaso que, no Evangelho segundo Mateus, Jesus é apresentado como aquele que tem de convencer o Batista a mergulhá-lo, vencendo a sua hesitação: «Deixa fazer por agora, porque convém que cumpramos toda a justiça».
É precisamente nesta condição “baixa” que acontece para Jesus uma manifestação de Deus, uma teofania. Enquanto sobe da água, vê os céus rasgados e o Espírito descer sobre Ele como uma pomba. Vê o que os outros não veem, recebe uma revelação que aos outros permanece oculta. Os céus rasgaram-se sobre Ele, Jesus tem plena comunhão com Deus, a Terra e o Céu estão em comunicação. É restabelecida a comunhão entre Deus e a humanidade depois que, segundo a tradição judaica, os céus se tinham fechado com o fim da profecia pós-exílica (século V). E precisamente nesses céus abertos Jesus vê o Espírito de Deus – o Espírito que muitas vezes tinha descido sobre os profetas, o Espírito que constituía a unção do Servo-Profeta anunciado por Isaías – descer sobre Ele como uma pomba.
A invocação tantas vezes elevada a Deus pelos crentes de Israel – «se Tu rasgasses os céus e descesses» – é finalmente respondida, e aqui essa resposta é-nos narrada em primeiro lugar através da imagem do voo doce e pacífico de uma pomba. E nas mesmas páginas de Isaías lê-se: «Onde está aquele que tirou das ondas o pastor do seu rebanho? Onde está aquele que pôs no meio deles o seu santo espírito?». É por isso que Jesus recebe o Espírito no momento de sair das águas. O Espírito que desce sobre Ele é o mesmo Sopro que pairava sobre as águas da primeira criação, e desce agora sobre Jesus, que se torna a Morada, a “Shekinah” de Deus.
A ação de Deus, mediante a imagem da pomba, é acompanhada pela palavra pronunciada pela voz que chega do céu: «Tu és o Filho meu, o amado; em ti pus o meu comprazimento». Depois de ter visto, Jesus escuta uma voz que lhe diz antes de tudo: «Tu és o Filho meu, o amado». É a palavra que revela Jesus na sua identidade mais profunda, palavra que Jesus deverá interiorizar na sua vida humana para responder plenamente à sua vocação, à sua missão, mas antes de tudo à sua verdade. Nesta declaração de Deus, que chega a Jesus através do Espírito Santo, ecoam numerosas declarações de Deus atestadas nas Escrituras de Israel: «Tu és o Filho meu, hoje te gerei»; «Eu serei para Ele pai e ele será para mim filho».
Esta voz implica a paternidade de Deus sobre Jesus e especifica que Ele é o único Filho, o Filho amado, como era Isaac para o seu pai Abraão. Um Filho que, diferentemente de Isaac, não será poupado ao sacrifício porque – como dirá Jesus – os vinhateiros pérfidos, ao verem o Filho amado, não o pouparão, como desejava o Pai, mas matá-lo-ão e lançá-lo-ão para fora da vinha. Eis portanto o Filho amado de quem o Pai se compraz, porque é como o Servo no qual Ele pôs o seu Espírito, o Servo eleito, escolhido, e no entanto rejeitado…
Esta primeira cena da vida de Jesus no Evangelho segundo Marcos está situada significativamente em ligação com o batismo último e definitivo, que Jesus conhecerá como cumprimento da sua missão. Não é por acaso que Ele interrogará os discípulos Tiago e João, perguntando-lhes: «Podereis ser imergidos nas imersões nas quais Eu estou imerso?». A imersão nas águas da morte, da rejeição e da traição, Jesus vivê-la-á na sua paixão, que será a sua epifania sobre a cruz: Jesus crucificado entre dois pecadores, em plena solidariedade connosco, humanos, tal como começou o seu ministério. Então, quando os céus parecem fechados, ao seu expirar rasga-se o véu do templo, porque o Santo dos santos, o lugar da presença na Terra, do diálogo definitivo entre Terra e Céu, é precisamente Ele, Jesus. O véu rasgado é o sinal de que todo o ser humano poder ter comunhão com Deus através do corpo de Jesus, corpo dador de Espírito e de vida.
Nesta festa do batismo nós, discípulos e discípulas de Jesus, somos conduzidos a considerar o nosso Batismo não só como acontecimento que marca o início da vida cristã, mas como dinâmica quotidiana que nos pede, no seguimento de Jesus, que morramos para nós próprios e vivamos do seu Espírito. Desde já cada um de nós, graças ao Espírito Santo efundido nos nossos corações, Espírito com o qual fomos “ungidos” e tornados cristãos, isto é, “messiânicos”, pode dirigir-se a Deus balbuciando: «“Abba”, Pai» e sentir-se por Ele amado. E Deus tem uma só e única palavra em resposta aos nossos gemidos e à nossa invocação: «Tu és amado, amada». É esta palavra que nos sustém e nos faz andar com esperança para a imersão da morte.
In Monastero di Bose
Trad.: SNPC
Publicado em 03.01.2018