Primeiro filme de animação de cariz religioso da Sony Pictures desde 1998, “A estrela do Natal” é uma produção americana calibrada e sem asperezas que revisita o nascimento de Jesus adotando o ponto de vista dos animais do estábulo, tratados como se fossem de segunda classe.
É raro, até excecional, que o cinema de animação se aventure na adaptação das grandes narrativas religiosas, até porque as séries adaptadas de textos bíblicos não conseguem obter sucesso assinalável.
Um burro, um pombo, uma ovelha
Walden Media, sociedade de produção americana conhecida por ter levado ao ecrã as “Crónicas de Nárnia”, fortemente impregnadas de referências cristãs, lançou-se numa narrativa inspirada pela Natividade, pela Anunciação na noite do primeiro Natal, adotando o ponto de vista dos animais do estábulo.
Perturbado no seu sono pela claridade de uma estrela que brilha com intensidade fora do comum no céu da Galileia, Bo, um burro que roda em torno de um moinho de Nazaré, começa a sonhar com a liberdade. Fugindo do seu dono, um moleiro brutal, encontra refúgio no lar de Maria e José, recentemente unidos pelos laços sagrados do casamento.
Com os seus companheiros, Dave, pombo extrovertido, e Ruth, ovelha ingénua, Bo acompanha o casal na sua viagem até Belém, ajudando-o a escapar às garras de um colosso romano e de dois dos seus cães de fila enviados por Herodes para matar o Filho de Deus.
Fiel ao texto, com algumas liberdades
“A estrela de Natal” tem o grande mérito de procurar modernizar e tornar acessível aos mais novos a narrativa do nascimento de Jesus, sem cair na narração literal e hierática.
Fiel aos textos evangélicos, o filme permite-se algumas liberdades divertidas, como no copo de água, durante o qual o velho Zacarias fala sem parar; «preferia quando o anjo te tornou mudo», diz-lhe a esposa, Isabel, numa alusão ao silêncio forçado interrompido aquando do nascimento de um filho inesperado.
O cenário retoma algumas obras de referência do cinema («adoro o odor do pão fresco ao pequeno-almoço!», exclama o pombo, parodiando uma réplica de “Apocalypse now”), e em particular do cinema de animação, porque Bo é uma (pálida) cópia de Shrek. As tiradas burlescas, indispensáveis em filmes com animais a quem é dada a voz, são muito conseguidas, embora por vezes inspiradas pela saga do ogre verde produzido pela Dreamworks.
A banda sonora é igualmente um conjunto de reprises mais ou menos inspiradas por standards americanos, como a canção sobre o anúncio da “boa nova” a partir de “The house of the rising sun”, dos Animals. O resto do filme é inundado por uma pop açucarada e melodias R&B xaroposas, cuja canção interpretada por Mariah Carey constitui o buquê final.
Temas batidos mas tratados com sobriedade
Tecnicamente muito correto, “A estela de Natal” beneficia de uma direção artística sem igual, os jogos de luzes são cuidados, exceto os das cenas noturnas, cujo estilo tende para a ingenuidade e falta de génio.
Afastando-se de todo o proselitismo, o filme de Timothy Reckart alinha temas batidos nos filmes de animação: viver os seus sonhos, a união faz a força, a diferença é uma riqueza.
Este programa é realizado com sobriedade, contrariando o maniqueísmo de produções de Hollywood ao permitir uma bela cena final: «Nada vos obriga a ser maus, agora sois livres», diz o burro aos cães ferozes a quem foram tiradas as cadeias.
Stéphane Dreyfus
In “La Croix”
Trad. / edição: SNPC
Publicado em 28.11.2017